Daquele batalhão de nordestinos transportados até a Amazônia para extrair borracha para os Estados Unidos na II Guerra Mundial, Severino Oliveira era um dos poucos que sabia ler e escrever e naquele ano começou a trabalhar como seringueiro no seringal Barro Alto.
Severino do Barro Alto |
Severino é um dos poucos Soldados da Borracha ainda vivo. Após trabalhar muitos anos como seringueiro, arrendou o seringal e, em meados dos 1950, comprou os 6 mil hectares do Barro Alto, a 25 quilômetros de Rio Branco.
Quando terminou de pagar já era conhecido no Acre como Severino do Barro Alto, o ex-Soldado da Borracha que chegou a ser dono de empresa de terraplanagem com 16 tratores no pátio.
De proprietário a devedor
A vida do seringalista Severino do Barro Alto começou a mudar quando a área foi invadida por posseiros e desapropriada pelo Incra com “valor deficitário” de R$ 1,4 milhões.
A terra nua foi avaliada por técnicos do Incra em R$ 1,7 milhão, mas os custos de recomposição da degradação ambiental da Reserva Legal (R$ 3,1 milhões) e da Área de Preservação Permanente (R$ 82,6 mil) somaram R$ 3,2 milhões.
Como o valor pelos danos ambientais era superior ao da avaliação do imóvel, o Incra pediu a suspensão do levantamento da indenização a favor de Severino do Barro Alto e reverteu ao Tesouro Nacional a diferença de R$ 1,4 milhões, representados em Títulos da Dívida Agrária (TDAs).
No processo de desapropriação, Severino do Barro Alto acabou culpado e responsabilizado por desmatamentos e outros danos ambientais na área do antigo seringal, embora o Instituto de Meio Ambiente do Acre (Imac) tenha concedido autorizações de desmatamentos aos posseiros da área.
De nada valeram as medidas legais cabíveis para denunciar e responsabilizar os posseiros, que não surtiram efeito pela ineficácia dos órgãos de controle e de justiça.
Nem mesmo a manifestação da superintendência do Ibama, que reconheceu em ofício ao Incra que “a responsabilidade e culpa pelos desmatamentos efetuados e degradação da reserva legal da propriedade” devia ser “imputada aos invasores e posseiros”.
O Comitê de Decisão Regional (CDR) do Incra no Acre também decidiu, de forma unânime, inclusive com o voto do procurador regional do Incra, Vicente Manoel Souza de Brito, pela isenção do proprietário quanto ao passivo ambiental.
Incra reconhece erro
Para o advogado João Tezza, apesar das determinações administrativas, a desapropriação foi proposta com duas violações: valor “deficitário ou negativo”, depositado para o “devedor” Severino do Barro Alto, para imitir a União na posse do imóvel, além de recebimento, em dinheiro, de “crédito” da União, apurado sem o devido processo legal, confiscando o patrimônio do expropriado.
- O procurador Vicente Manoel Souza de Brito vilipendiou o Código de Ética da OAB e desobedeceu criminosamente a administração pública hierarquicamente superior. Ele jamais poderia ter feito um depósito deficitário, ou seja, um depósito de dívida. Juridicamente é ilegal e o fato constitui crime. Administrativamente, como servidor público, praticou um ato ilícito. O silêncio do Ministério Público Federal induziu a justiça em erro material, pois não compete ao Judiciário a apuração de fatos criminosos – afirma Tezza.
Por sua vez, o procurador Vicente Brito afirma que o processo de desapropriação foi elaborado no Acre e analisado e aprovado em Brasília.
- Nós fizemos o que devia ser feito, dentro da legalidade. Não quero comentar as acusações feitas pelo advogado João Tezza. Não estou aqui para servir aos interesses dele, mas da União – alega o procurador do Incra.
Vicente Brito reconhece que o Incra cometeu erro no momento da expedição de Títulos da Dívida Agrária (TDAs) em nome de Severino do Barro Alto. Pagou R$ 1,4 milhão, depositados em TDAs, quando na realidade deveria ter sido de R$ 1,7 milhão.
- A diferença de R$ 255.400,23 é o único valor a ser reparado pelo Incra ao senhor Severino, a ser pago em TDAs. Esse valor ainda será depositado – afirma Brito.
Severino do Barro Alto nunca casou, segundo ele, porque sempre alimentou o sonho de voltar para Pernambuco. No ano passado, trouxe para o Acre uma irmã de 87 anos, que cuida dele.
- Estou sendo injustiçado depois de tantos anos dedicados ao Acre. Nunca desmatei nada porque dependia da floresta para viver da exploração da borracha. Não me conformo com essa situação. Desapropriaram o meu seringal e ainda me responsabilizam pelos danos que os invasores fizeram – lamenta.
Reparação do erro
O caso tramita na Justiça Federal. Após o “depósito negativo”, a defesa entrou com pedido de complementação do valor. O pedido foi negado e entrou com embargo de declaração para que o juiz informasse melhor a decisão.
Como o juiz não esclareceu, entrou com agravo de instrumento cuja liminar requerida também foi negada. Daí entrou com agravo regimental que também foi negado e o agravo de instrumento improvido.
No entanto, não foi publicado, ou seja, ainda não fez efeito e o juízo federal de Rio Branco acelerou a avaliação judicial para julgar a matéria.
Ocorre que, da sentença de primeira instância, como é contra a União, o próprio juiz tem que dela recorrer o que levará anos, até julgados, inclusive os recursos posteriores.
Até lá, só com o trânsito em julgado, de no mínimo 10 anos, Severino não receberá nada de indenização.
Fonte: http://www.correaneto.com.br
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