20 de dezembro de 2010

COP-16: Em Cancún, entre sonho e realidade

Como já se previra em artigo neste espaço (3/12), foram bastante modestos os resultados da reunião da Convenção do Clima em Cancún, no México.
Não se aprovou nenhum acordo obrigatório para redução de emissões, embora os participantes reconheçam que “o aquecimento global é inequívoco” e que é preciso empenho para que o aumento da temperatura do planeta até 2015 não ultrapasse 1,5 grau Celsius (já subiu 0,8 grau e 2010 é o ano mais quente do planeta em mais de um século). Mais difícil ainda será reduzir as emissões entre 25% e 40% (sobre as de 1990) até 2020; ou “50% ou mais até meados do século”, para que não se eleve mais de 2 graus e seja ainda mais grave, como lembrou o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, acentuando que naquele momento a Terra terá 9 bilhões de habitantes, consumindo e emitindo. Apesar de tudo, no final da reunião houve certo alívio e até otimismo com a aprovação de um documento (“não vinculante”), ainda que para isso a presidente da reunião tenha decidido que “consenso” (obrigatório para tomar decisões em reuniões da ONU como essa) não significa “unanimidade”. A Bolívia, o único país contra a aprovação, já anunciou que recorrerá à Corte Internacional de Haia.
Autoridades brasileiras saíram quase exultantes da reunião, por alguns motivos. O primeiro é o anúncio de que o desmatamento na Amazônia em 2009-2010 (6.451 quilômetros quadrados, com margem de erro de 10%) foi o menor das últimas décadas, 13,6% menor que no período anterior – embora se reconheça que o desmate em áreas menores que 0,5 km2 não é detectado pelos satélites de monitoramento rápido; e algumas instituições digam que a degradação de florestas ali, com corte seletivo, não mensurado, seja muito forte. Hoje, o desmatamento no mundo responde por pelo menos 15% das emissões totais, com a perda de quase 10 milhões de hectares anuais. É pena, entretanto, que, apesar desse contexto, o decreto presidencial brasileiro sobre a estratégia para ocupação de território na Amazônia e conservação de recursos naturais tenha aberto exceção para a implantação da BR-319, que atravessa áreas de preservação permanente.
Outra razão para o otimismo de nossas autoridades foi o anúncio, durante a convenção, do decreto presidencial que, ao regulamentar a lei nacional da política de clima, prevê que o País em 2020 esteja emitindo, no máximo, 2,1 bilhões de toneladas anuais de gases poluentes (mais de 11 toneladas/ano por habitante); sem essa exigência, ao ritmo atual, as emissões poderiam chegar a 3,2 bilhões de toneladas anuais naquela data. O decreto permitiria também cumprir o objetivo anunciado em 2009, em Copenhague, de reduzir as emissões brasileiras entre 36% e 38,9% sobre o total a que chegariam em 2020. Cumprir o decreto exigirá que o País reduza suas emissões em 6% sobre as registradas em 2005, ano do último inventário nacional. E publique em 2011 os resultados desmembrados em 12 setores econômicos, com os respectivos planos de ação. Mas o sistema abrirá caminho para um “mercado nacional de carbono”, ao admitir que um setor ou empresa venda créditos a outro setor ou empresa que não tenha cumprido suas metas.
Depois de Cancún, continuam sem resposta várias questões decisivas: 1) Até o ano que vem, vai-se conseguir superar a resistência do Japão, da Rússia e outros países à prorrogação (ou um novo acordo) do Protocolo de Kyoto, sem adesão dos Estados Unidos (que não homologaram o que está em vigor e, para qualquer hipótese, dependerão da improvável aprovação do Congresso), da China e de outros grandes emissores ? 2) Será possível chegar em 2011 a um acordo “vinculante”, de compromissos obrigatórios de redução de emissões de todos os países, de modo a cumprir as metas globais até 2050? 3) Que regras no Redd definirão que países poderão receber recursos (com ou sem monitoramento externo?), que nações proverão o dinheiro, qual o valor? 4) Que países, em meio à atual crise econômica, proverão recursos necessários para se chegar a US$ 100 bilhões anuais destinados a projetos de adaptação a mudanças climáticas nos países mais pobres?
E, pairando no ar, a nova e complexa questão: como se fará daqui por diante, uma vez quebrada a regra do consenso, indispensável nas votações em convenções da ONU – quando a Bolívia votou contra um fundo, sob a alegação de que não se deve comercializar a natureza (os doadores poderiam contabilizar os benefícios em seus inventários de emissões)? E se a Corte de Haia, à qual a Bolívia recorrerá, lhe der razão? Ou se em alguma nova votação houver um voto contrário dos Estados Unidos, da China, do Japão, grandes emissores? Esse voto terá o mesmo tratamento dado à Bolívia? Com que consequências, já que o consenso decorre da necessidade de uma regra universal, para ser cumprida por todos os países – uma vez que em questões como as do clima um país, sozinho, pode prejudicar muito o panorama?
Chega-se a 2011 com as mesmas questões sobre a mesa. E em Cancún já se ouviram vozes afirmando que é preciso buscar novos caminhos, fora das convenções “paralisantes” da ONU.
Washington Novaes é jornalista e escreve sobre meio ambiente aqui no Blog as segundas.
Artigo originalmente publicado em O Estado de S.Paulo.

Fonte: http://blogs.d24am.com

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