23 de novembro de 2010

Pessimismo global atinge a Conferência do Clima

Um ano após a grande frustração que foi a Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas em Copenhague (COP-15), a nova edição da convenção, em Cancún (COP-16), começa no próximo dia 29 sem expectativas de grandes resultados. Prova disso é que são esperados apenas entre 20 e 30 chefes de estado no México, contra 118 que estiveram presentes em Copenhague. O presidente Lula, uma das grandes estrelas do último encontro, já confirmou sua ida, mas a delegação brasileira encolheu de 900 pessoas, no ano passado, para 250 este ano. Não se espera o fechamento de um grande acordo vinculante com metas significativas de redução de emissão de CO2 para o segundo período de compromisso do Protocolo de Kyoto, que vence em 2012, e é uma obrigação dos países desenvolvidos que assinaram o documento. Tampouco deverá haver resultados importantes na área de financiamento, outro ponto-chave da negociação. Este é mais um compromisso firmado pelos países desenvolvidos: prover recursos financeiros para que países em desenvolvimento possam prevenir os efeitos das mudanças climáticas (mitigação) e se adaptar àqueles que já podem ser sentidos nos países mais vulneráveis, como pequenas ilhas do pacífico e nações africanas.
- Você chega a Cancún sem aquela comoção com que se chegou em Copenhague e com as mesmas dificuldades. As expectativas agora são mais modestas - avalia o embaixador Luiz Figueiredo, negociador-chefe do Brasil na Convenção do Clima da ONU.
O Brasil tem ganhado um papel protagonista na convenção e vai levar para Cancún dois trunfos na bagagem: a apresentação do último balanço sobre o desmatamento da Amazônia e a explicação dos planos setoriais que vêm sendo elaborados para que o país cumpra as metas voluntárias de redução de emissões. Sobre a Amazônia, deve ser anunciado um novo recorde histórico, no qual "somente" cerca de 5 mil km2 teriam sido destruídos entre 2009 e 2010. Já sobre as emissões, o governo brasileiro vai mostrar como pretende reduzir de 36% a 39% de suas emissões, com relação ao que o país calculou que vai emitir em 2020. Na prática, significaria emitir 1,7 giga toneladas de CO2 daqui a dez anos, quando o esperado era a emissão de 2,7 giga toneladas de CO2.
- Lula terá um papel muito destacado em Cancún. Com a proposta ambiciosa que apresentou em Copenhague, ele foi o chefe de Estado que mais chamou a atenção - diz o secretário-executivo do Fórum Brasilieiro de Mudanças Climáticas, Luiz Pinguelli Rosa.
O principal plano brasileiro é reduzir a derrubada da Amazônia em 80% até 2020 e do Cerrado em 40%. As duas medidas, se alcançadas, evitarão a emissão de 668 milhões de toneladas de CO2. O desmatamento responde por 61% das emissões brasileiras.
A agricultura, dona de 22% das emissões, também sofrerá alterações. Uma das ações previstas é a recuperação de 15 milhões de hectares de pastagens degradadas, de um total de 60 milhões que o país possui, e a implementação de um programa de agricultura de baixo carbono. Com isso seriam cortadas pelo menos 183 milhões de toneladas de CO2. No setor energético, que gera 15% de nossas emissões, o governo prepara um pacote para aumentar o uso de biocombustíveis, reduzindo entre 48 e 60 milhões de toneladas de CO2. E na siderurgia, setor ainda bastante dependente de carvão produzido com madeira de desmatamento, a ideia é justamente substituí-lo por carvão vegetal de florestas plantadas. A ação pode gerar o corte de entre 8 e 10 toneladas de CO2. As carvoarias emitem 31% do total registrado no setor energético.
Além desses cinco setores, o governo vai incluir outras sete áreas para as quais também serão criados planos setoriais. A principal delas é o transporte. Listado dentro da seção "energia", o transporte rodoviário responde por 38% dessas emissões.
- O transporte será uma área decisiva para o Brasil no futuro, pois passará a contribuir cada vez mais para o nível de emissões, principalmente por conta da ineficiência do transporte de carga. O Brasil tem, há 15 anos, o pior desempenho do mundo em transporte de cargas - aponta Eduardo Viola, professor de Relações Internacionais da UnB.
Ele critica também o transporte público brasileiro que receberia incentivos para o aumento no número de carros nas ruas, quando deveria ocorrer justamente o contrário. Ele sugere que o país monte um programa para penalizar o uso de carros (como taxas para quem roda nos centros das grandes cidades), o que geraria pressão para estimular investimentos em transporte público de alta capacidade para passageiros, como trens e metrôs. No caso do transporte de suprimentos, a saída, segundo o professor, é ampliar a rede ferroviária e hidroviária.
O pacote que o Brasil apresentará vai esbarrar com a dura realidade que vigora nas negociações climáticas. Com relação às metas de redução dos países desenvolvidos, até agora apenas 15 nações manifestaram suas intenções, a maioria condicionando números mais ambiciosos a um acordo global, o que ainda não aconteceu. Por enquanto, o que se tem é uma redução que varia de 16% a 18% com relação às emissões de 1990. Isso seria insuficiente para evitar um aumento da temperatura da Terra de mais de 2 graus Celsius, conforme concordaram os 140 países que assinaram o Acordo de Copenhague - documento fechado na COP-15, mas que não tem validade jurídica. Ou seja: é um texto de intenções.
A questão do financiamento também está em aberto. Na última reunião, os países concordaram com a criação de um Fundo de Início Rápido (Fast Track Fund), que proveria US$ 30 bilhões em três anos para que os países mais necessitados pudessem começar a agir contra o aquecimento global. A fonte de recursos já foi identificada, mas esbarra em um problema: alguns dizem que o dinheiro de que se fala não é novo e configuraria um desvio de finalidade de recursos já comprometidos em outras áreas da cooperação internacional, como saúde e educação. O resultado é que, até agora, nenhum projeto foi contemplado com tal verba.
Um outro mecanismo acordado, mas que também não saiu do papel é o Fundo Verde Climático, para o qual seriam doados US$ 100 bilhões anuais até 2020. Esse dinheiro poderia ajudar países a criar mecanismos de eficiência energética, instalar aterros sanitários e manter florestas preservadas. As regras são as mesmas: países ricos pagariam e países em desenvolvimento, como Brasil e África do Sul, implantariam localmente tais iniciativas. Como o aporte de dinheiro é alto, há divergências sobre de onde sairia. Dificilmente essa questão será solucionada em Cancún. Mas a ONG ambientalista WWF acredita que será possível avançar na estruturação do fundo, como o conselho que definirá prioridades a serem seguidas e os fiadores do sistema.
- Seria uma grande forma de reconstruir a confiança e demonstrar que os países industrializados estão tratando a mudança do clima com seriedade - pondera Mark Lutes, coordenador de políticas financeiras da Iniciativa Climática Global da WWF.
Para tentar solucionar o impasse sobre a fonte de recursos que abastecerá o Fundo Verde, o Grupo de Alto Nível em Financiamento de Mudanças Climáticas da ONU (AGF) elaborou um estudo apontando algumas alternativas, como a taxação de viagens internacionais no setor aéreo e de navegação, o que geraria potencialmente US$ 10 bilhões anuais. O setor, embora represente apenas 2% das emissões globais, é o que vem aumentando mais rapidamente sua fatia.
Apesar do clima de pessimismo que cerca o início da COP-16, em algumas áreas há chances reais de se chegar a algum acordo positivo. O anfitrião da convenção, o presidente mexicano Felipe Calderón, deposita todas as suas fichas na criação do REDD (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação). Iniciativas nessa área são consideradas ações de mitigação e, portanto, podem ser contempladas com recursos do Fundo Verde e do Fast Track Fund.
- Provavelmente o avanço mais importante que se fará em Cancún será em REDD, sobre as emissões florestais reguladas. Por isso me sinto otimista sobre este lado da equação - disse Calderón durante sua participação na última reunião do G-20, na Coreia do Sul.
O mecanismo, que inicialmente previa somente ações de combate ao desmatamento, ganhou um sobrenome: plus. Isso significou a inclusão de ações de conservação (como a criação de parques e reservas naturais) e técnicas de manejo florestal (nas quais madeira pode ser explorada de forma seletiva e ao longo de várias décadas para permitir a reposição das árvores cortadas). Segundo a pesquisadora do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe) da UFRJ, Thelma Krug, as duas primeiras fases do REDD deverão ser implementadas ainda em Cancún.
A primeira fase diz respeito à preparação dos países ricos em floresta - como Brasil, Indonésia, Congo e Papua Nova Guiné - para monitorar o desmatamento. Nesta etapa, serão elaborados planos nacionais para reduzir o desflorestamento e montada uma rede para acompanhar os resultados. A capacitação de pessoal para trabalhar nessas atividades também é fundamental. A segunda fase prevê a implementação de projetos pilotos e o pagamento de serviços florestais. Em ambos os casos o Brasil dificilmente receberia recursos estrangeiros. Isso porque o país já possui um Plano Nacional para a Prevenção e Controle do Desmatamento da Amazônia e monitora por satélite a destruição do bioma há duas décadas.
- Acho que o Brasil não vai ver a cor desse dinheiro. Vai ser difícil convencer doadores a colocar recursos num país que já está conseguindo reduzir significativamente o desmatamento sozinho - pondera Thelma, uma das negociadoras brasileiras na convenção.
Por outro lado, os brasileiros têm muito a contribuir com os países mais atrasados. O governo assinou um acordo com a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) para transmitir tecnologia. Doadores pagarão para que técnicos de outros países venham aprender com os profissionais do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) as ferramentas de monitoramento em tempo real. A primeira turma, de africanos, virá no início do próximo ano.
Além disso, há chances de ser criado um comitê para coordenar as ações de adaptação, aquelas voltadas para minimizar as consequências da mudança do clima. Um Fundo de Adaptação já está em vigor, com recursos do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) - pelo qual os países desenvolvidos podem cumprir suas metas de redução de emissões bancando, em nações pobres, projetos que resultem em menos emissões.
Dois temas, entretanto, deverão aquecer os debates da COP-16: o primeiro é o fortalecimento do Protocolo de Kyoto, documento assinado em 1997, e que prevê a fixação, por parte dos países ricos, de cortes mensuráveis de emissões. Caso não sejam definidas metas para um segundo período do protocolo, a partir de 2013, ele pode se tornar ineficaz. Isso vai ser um problema porque a União Europeia, por exemplo, fez leis com base no protocolo. Assim como em Copenhague, o X da questão continua sendo os Estados Unidos, que são os maiores poluidores do planeta, mas não assinaram Kyoto. Uma lei estipulando o corte de 17% das emissões americanas até 2020 com relação às de 2005 está empacada no Congresso com poucas chances de ser aprovada. A Europa também começou a recuar quanto à adoção de metas significativas de corte de emissões. Segundo negociadores brasileiros, os europeus vêm fazendo o jogo dos americanos para esticar até 2012 o impasse sobre metas.
O segundo problema são as ações de mitigação a serem adotadas pelos países em desenvolvimento, as chamadas Namas (Ações de Mitigação Nacionalmente Adequadas). Embora os emergentes não sejam obrigados a se comprometer com metas, foi estabelecido na convenção que adotarão medidas voluntárias. O embaraço, nesse caso, se dá no acompanhamento dessas ações. A maioria dos países só aceita o monitoramento internacional das ações financiadas por dinheiro estrangeiro. A China é a principal opositora à possibilidade de outros países interferirem em medidas que estão sendo adotadas em seu território
Fonte: O Globo

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