23 de agosto de 2010

Traficantes poluem e desmatam vale produtor de coca no Peru

PICHARI, Peru — Rios contaminados e desmatamento crescente são as marcas do narcotráfico no principal vale 'cocaleiro' (produtor de coca) na selva do sudeste do Peru, submetido a um controle militar pela presença de remanescentes da guerrilha do Sendero Luminoso.

O panorama é preocupante já que, a cada ano, de 7.400 a 8.000 hectares são degradados pelos narcotraficantes no Vale dos Rios Ene e Apurimac (VRAE), em 34.072 quilômetros quadrados da faixa de selva de quatro departamentos (estados) do centro e do sul do país, afirmaram as autoridades.

"Estão sendo perdidas espécies da fauna e da flora de grande valor econômico", disse em coletiva à imprensa estrangeira, convidada pelo governo estadual, Fernán Valer, secretário de um projeto governamental que visa a impulsionar cultivos alternativos no VRAE em substituição à folha de coca, matéria-prima da cocaína.

O problema se acentua porque substâncias químicas usadas na produção da droga, tais como ácido sulfúrico, amoníaco, entre outros, são lançados nos corpos hídricos da região, acrescentou o funcionário em Pichari, distrito do VRAE, no departamento de Ayacucho.

A contaminação, segundo Valer, aumentou a incidência de doenças entre os povos deste amplo vale, como anemia, hepatite, febre tifóide e outras que afetam especialmente as crianças da etnia amazônica ashaninka que vivem na região.

Os cultivos de coca no VRAE saltaram de 14.300 hectares, em 2003, para 17.486 hectares no ano passado, o que representou um aumento de 455 hectares de plantios da folha ao ano, disse Valer com base em dados do escritório especializado em drogas das Nações Unidas.

Nos últimos tempos, os traficantes têm lançado mão do "uso de agroquímicos e fitohormônios" que modificam as folhas de coca para torná-las mais resistentes a pragas e doenças, com a meta de obter até quatro colheitas de coca ao ano, explicou Valer.

Estima-se que o Peru produza 304 toneladas anuais de cocaína, o que faz dele o segundo produtor mundial, atrás apenas da Colômbia.

"Setenta e seis por cento desta droga proveem do VRAE, o que gerou uma economia marginal que representa uma movimentação de 880 milhões de dólares anuais", ressaltou Valer.

No VRAE vivem 330 mil pessoas que se dedicam à agricultura, mas "o triste é que um percentual bastante elevado desta população se ocupa do plantio de coca", admitiu o funcionário.

"Todos somos conscientes de que a praga do narcotráfico tem que ser erradicada por razão da força ou pela força da razão", acrescentou Valer.

"As forças armadas dão confiança à população e apertam o cerco ao narcotráfico, que mantém uma aliança com o Sendero Luminoso para semear o caos", acrescentou.

No entanto, a militarização do VRAE é vista com receio por seus habitantes.

Víctor Raúl Meneses, presidente da Frente de Defesa de Pichari, disse à AFP que "a atividade senderista (guerrilheira) diminuiu no VRAE, onde a população é pacífica. Os senderistas estão longe, mas montanhas".

"Há muito gastos com os militares, o governo deveria dar dinheiro para construir escolas, melhorar a educação e remunerar bem os professores. Ficamos indignados de que se priorize o investimento em sobrevoos caros em helicópteros e que a população não seja beneficiada", queixou-se Meneses.

No domingo, um general que comanda a frente contrasubversiva do Vale Apurímac Ene, denunciou que uma facção do Sendero Luminoso recruta crianças para a luta armada e o narcotráfico na região.

"Eles ordenam o recrutamento de crianças para que sejam doutrinados nas escolas populares do Sendero Luminoso. São chamados de pioneiros", disse a jornalistas o general do exército Leonel Cabrera.

Segundo o militar, um menor, de nome Alcides, foi resgatado de um acampamento da guerrilha em recente incursão das forças de segurança.

A facção mencionada pelo general Cabrera é liderada por Víctor Quispe Palomino, aliás camarada "José", e é comandada, ainda, por dois de seus irmãos com quem forma um "clã familiar que opera como um braço do narcotráfico".

O uso de crianças pelo Sendero Luminoso tem sido denunciado desde agosto de 2009 por grupos de defesa dos direitos humanos peruanos perante as Nações Unidas, que condenaram o emprego de crianças em ações terroristas.

As autoridades militares sustentam que o narcotráfico e o corte ilegal de árvores se tornaram a principal fonte de renda da guerrilha nesta região do Peru.

Fonte: AFP

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