5 de maio de 2011

Novo Código Florestal será “grave retrocesso na legislação ambiental”

O debate sobre a votação do novo Código Florestal ganhou espaço na mídia nos últimos dias. O agendamento da votação, mesmo sem o texto final fechado, acirrou os ânimos não só da oposição mas também de deputados governistas incomodados com condução do processo pelo deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), relator do texto. Os embates foram tantos que o presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), recuou e remarcou a votação para a próxima terça-feira.
Para compreender as mudanças propostas e o que está em disputa na modificação do Código Florestal, o Escrevinhador conversou com o deputado federal Ivan Valente (PSOL-SP), um dos principais opositores do projeto.
A votação do Código Florestal foi, inicialmente, marcada para esta semana mesmo sem o texto final ser apresentado. Por que já foi marcada a votação sem o texto pronto? Há pressa em votar?
Sim. Ao longo dos últimos anos, uma das medidas de proteção à natureza adotada pela legislação ambiental brasileira foi a determinação de que a área de Reserva Legal, porção de terra de mata nativa, de cada propriedade deveria ser averbada, ou seja, registrada em cartório. A partir de então, deveria ser preservada e seu uso não poderia mais ser alterado. Caso esta área já tenha sido devastada, caberia ao proprietário recompô-la, plantando novas árvores na região.
O prazo inicial para a averbação da Reserva Legal era o dia 22 de janeiro de 2009. Entretanto, foi prorrogado duas vezes e finalmente estendido até o dia 11 de junho de 2011. Desta data em diante, os proprietários que não tiverem registrado ou preservado a área de Reserva Legal de suas terras poderão se tornar irregulares, sendo multados e perdendo acesso a benefícios governamentais e incentivos fiscais. É isso, portanto, que está de fato em jogo.
Os defensores das mudanças no atual Código Florestal alegam que, com a entrada em vigor desta regra, a imensa maioria dos pequenos produtores entraria na ilegalidade. O que a bancada ruralista não fala, no entanto, é que o próprio Código Florestal oferece uma série de alternativas para aqueles que, de fato, pretendem recompor suas áreas devastadas. Ou seja, são os grandes proprietários de terra que querem fugir da obrigação legal de registrar e preservar a Reserva Legal.
Vem daí a pressa em se votar uma proposta de novo Código Florestal, liberando novas derrubadas e anistiando aqueles que descumpriram a legislação ambiental durante anos. Havendo mais tempo para a discussão do projeto, todos esses aspectos ficarão mais claros para a sociedade, e o agronegócio sairá perdendo.

Quando a votação foi marcada, diversos pontos do relatório ainda estavam sendo debatidos dentro da Câmara de Negociação. O que aconteceu com este espaço?

A Câmara de Negociação elencou um leque de temas e o objetivo era fechar a discussão sobre cada um desses pontos antes da votação do Código Florestal no Plenário da Câmara. No entanto, a bancada ruralista atropelou o processo de negociação e convenceu o presidente da Câmara, Marco Maia (PT), a votar o relatório esta semana. O governo, portanto, estaria se submetendo à pressões da bancada ruralista em nome de uma governabilidade conservadora.

A Câmara de Negociação terminou seus trabalhos esta semana sem a presença do relator Aldo Rebelo, que preferiu buscar outros espaços de discussão para consolidar seu relatório e não se dignou a apresentar neste espaço, o mais legitimado justamente para as negociações, suas novas propostas. Foi um descaso com a Câmara de Negociação
Quais os principais problemas do novo Código Florestal? Quem será beneficiado com as mudanças que estão sendo propostas? E quem será prejudicado?
Por trás do discurso de apoio ao pequeno agricultor e à agricultura familiar estão, na verdade, nefastos interesses em prol da exploração acelerada dos recursos naturais. O relatório fragiliza áreas estratégicas para o desenvolvimento nacional, como a biodiversidade brasileira, os recursos hídricos e florestais, e desrespeita a diversidade sociocultural e o conjunto dos ecossistemas, comprometendo o ambiente global.
Um dos maiores problemas do relatório Aldo Rebelo é a redução das APPs, como as matas ciliares, várzeas, encostas e topos de morro. Basta olhar para o resultado da ocupação irregular das Áreas de Preservação Permanente nas tragédias no Rio de Janeiro para ter a dimensão dessa irresponsabilidade.
O projeto também libera as propriedades rurais de até quatro módulos fiscais – 90% dos imóveis rurais do Brasil – de recompor a área de Reserva Legal aumentando o desmatamento em até 70 milhões de hectares. O impacto é altamente negativo, sobretudo para o efeito estufa, cuja redução está entre os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil em Copenhague. O relatório propõe ainda sobrepor as APPs à Reserva Legal, ignorando que cada uma cumpre funções específicas.
Outro problema é a anistia que o texto reformulado, se aprovado, dará aos desmatadores que cometeram infrações antes de julho de 2008. Argumenta-se que 90% das propriedades estão irregulares, mas há uma questão pedagógica em jogo. Desde 1999 está em vigor a Lei dos Crimes Ambientais e a legislação já concede o prazo de 30 anos para uma propriedade recuperar o que devastou. O constante desrespeito ao Código vigente se dá pela certeza da impunidade. O Estado deveria, ao contrário, estimular a recomposição dessas áreas e recompensar a preservação com o pagamento de serviços ambientais à agricultura familiar.
A tentativa de flexibilização da legislação ambiental nacional dará ainda aos Estados e Municípios uma super autonomia, que trabalha a favor do agronegócio e da especulação imobiliária nas cidades.
Por tudo isso, está explícito que o grande agronegócio exportador é o maior interessado na alteração do Código. Este é um relatório da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil), que se arroga a falar em nome dos pequenos proprietários. O prejuízo do novo texto, por outro lado, não é de apenas um setor, mas de toda a sociedade brasileira.

Argumenta-se que é necessário aumentar a área de produção para que o Brasil cresça, e que seria do interesse de outros países que o Código Florestal continue como está para impedir o crescimento da economia brasileira. Qual é sua avaliação deste argumento?

O relatório Aldo Rebelo parte de uma premissa equivocada: a de que seria necessário ocupar mais e mais áreas do território nacional para garantir a competição agrícola e a produção de alimentos para todos os brasileiros. Por exemplo, o texto defende a redução das APPs, no entanto menos de 5% da produção atual está localizada em APPs de hidrografia ou declividade. Ao contrário do que disseram os ruralistas, segundo a SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) o conjunto das APPs ocupa apenas 7% do território nacional. Ou seja, a partir da exceção, o relatório permite que todas essas áreas sejam invadidas e degradadas.
Ao mesmo tempo, inúmeras pesquisas também demonstram que há terras disponíveis suficientes para se elevar a produção agrícola sem que seja necessário aumentar o desmatamento. Nas vastas áreas disponíveis, a associação de tecnologia com manejo agrícola sustentável e melhor aproveitamento das culturas já implantadas nos dão garantia de segurança de produção agrícola, sem necessidade de afrouxar a proteção ambiental. Ou seja, não é preciso enfraquecer a atual lei ambiental para garantir o desenvolvimento da agricultura no nacional.
Não é a primeira vez que o deputado aproveita da suposta existência de uma ameaça internacional para se colocar como guardião dos interesses dos grandes produtores agrícolas. No entanto, quem historicamente se ajoelhou à cartilha da Organização Mundial do Comércio foram os partidos políticos que, agora, defendem as mudanças no Código Florestal.
Na verdade, o que está por trás da defesa dos pequenos produtores agrícolas empregada no relatório é a resposta, há tanto tempo solicitada pela bancada ruralista no Congresso Nacional, para as exigências de flexibilização das leis feitas pelo agronegócio exportador de commodities. Trata-se da mesma bancada que, financiada ou ela própria integrada por grandes proprietários de terra, se recusa a votar a PEC do Trabalho Escravo (que destina para a reforma agrária terras onde foram encontrados trabalhadores em condições análogas à escravidão) e que promove ataques sistemáticos ao meio ambiente e ao Código Florestal. No relatório Aldo Rebelo, são os grandes proprietários “falando em nome dos pequenos” e colocando o Brasil no rumo do atraso e da devastação.

O debate sobre o Código ainda está restrito a ambientalistas e ruralistas, o senhor acha que é necessário ampliar a discussão? Como o restante da sociedade será afetada pelas mudanças que estão propostas?

O desenvolvimento sustentável e a preservação da biodiversidade são problemas de todos. É necessário garantir um amplo e democrático debate sobre o projeto, que trata de um interesse difuso, coletivo, que não interessa apenas a uma corporação. Desta forma, a tramitação açodada do texto e o terrorismo feito para sua rápida votação respondem apenas a interesses imediatistas e significam, na prática, uma negação do interesse público e do direito à participação da população em uma discussão da maior relevância. A sociedade deve então se mobilizar para ser ouvida e para que não se consume este grave retrocesso na legislação ambiental brasileira.

Fonte: http://www.planetaosasco.com

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